Configuração #8

H
FILIPE MATOS










Chamaste à tua Configuração H|agá|. Porquê a escolha deste título, a única letra do abecedário que não se lê.
Um dos motivos foi precisamente o facto de a letra H não ter qualquer som no alfabeto português. Ou seja, remete para o silêncio. A imagem a partir da qual desenvolvi este conjunto de trabalhos tinha a palavra “HOTEL” inscrita no placar publicitário e esse foi outro dos motivos; decidi não incluir essa palavra nas pinturas. 

Uma mesma imagem serve de base á tua configuração no next room. Porquê a escolha dessa imagem? Porque decidiste desmultiplicá-la em várias pinturas?
Encontrei essa imagem na internet há alguns anos. Não me lembro ao certo do que me levou a guardá-la. Tenho por hábito alimentar um banco de imagens, virtual e físico, criado desde os tempos de estudante, na Universidade de Évora. Os placares (outdoor) interessam-me como espaços, espaços integrados noutros espaços/paisagens. Assumem formas diversas e encontram-se espalhados por toda a parte. Basta andar na rua para nos depararmos com eles. As imagens também. Há um trânsito constante de imagens e informações a uma velocidade avassaladora. Uma imagem fotográfica serviu de mote/ideia para esta exposição. Achei que poderia fazer uma série de pinturas sempre com o mesmo tamanho partindo sempre da mesma imagem. O plano sofreu alterações e desdobrou-se noutras possibilidades. No entanto, julgo que esta imagem e conjunto de trabalhos apresentados nesta exposição ainda me podem dar mais. 

Como é o teu processo de trabalho? Serves-te sempre de imagens como base de trabalho? São feitas por ti ou são encontradas?
No meu processo de trabalho deambulo entre imagens, desenhos, pinturas e objectos/maquetas. As imagens têm fontes diversas, ora feitas por mim (fotografadas) ora encontradas na internet, jornais, panfletos, etc. Interessa-me essencialmente que o meu trabalho tenha a capacidade de evocar e projectar. Servem-me de base ideias, imagens, desenhos, pinturas, objectos e o próprio fazer decorrente da pintura. De coisas nascem coisas. 
Como já referi tenho um banco de imagens ao qual recorro quando acho oportuno. 
A “paragem de autocarro” representada numa das pinturas desta exposição foi feita a partir de uma fotografia que eu próprio realizei e tem, nesta configuração, o papel de estabelecer diálogo com os restantes trabalhos, de abrir uma porta para outras ideias, espaços e analogias.

Nas tuas primeiras pinturas parecia muitas vezes haver uma espécie de ambiguidade entre a representação ilusionista do espaço e uma preocupação com valores mais abstractos da pintura: linhas, geometrias e forças de tensão. Para o next room parece-me haver uma mudança para um maior realismo. A superfície bidimensional aparece agora trabalhada na grande tradição da pintura como uma janela para o mundo. Porquê esta mudança?
A ambiguidade é importante nos meus trabalhos. Interessa-me uma certa indefinição ou incapacidade de designar. 
Neste conjunto de trabalhos há mudanças mas não são acentuadas. Para mim é sempre uma continuação. O aparente realismo resulta fundamentalmente das relações que procuro colocar em jogo entre imagem, fotografia e pintura. 


Se antes era o espaço que aparecia na tela, agora parece-me que um valor menos visível, começa a transparecer nestas pinturas, o tempo. Como se o espaço num registo mais naturalista ganhasse outra temporalidade: o tempo próprio do aparecimento manual de uma imagem em pintura. Isso interessa-te? Notas diferenças no processo que condicionem o resultado final?
Considero o espaço e o tempo importantes no meu trabalho. Porém, como referi anteriormente, o meu trabalho e processo de trabalho não sofreram grandes alterações. Procuro apresentar ideias, afirmações, interrogações, reticências… A pintura é também uma linguagem. 

Parece-me que nestes novos trabalhos a luz ganha uma autonomia própria. Nas imagens nocturnas a luz parece sempre vir do interior da pintura. Como se a pintura fosse auto-iluminada. Como uma imagem projectada na tela do cinema cuja fonte é um potente projector de luz. Desta forma e tal como numa sala de cinema, o observador convive com as imagens de uma forma muito mais intima. Na pintura somos convidados, por dispositivos de ocultamento/revelação na tradição de Caravaggio, Rembrandt e dos tenebristas barrocos, a ver uma determinada cena. Para ti foi importante esta manipulação mais narrativa que pictórica? Ou foi apenas a imagem em si pelos seus valores formais que te motivou a trabalhar?
Gosto particularmente da noite, do negro/preto. Sugere o enigmático, o mistério, a negação, a afirmação, a palavra "não"... A utilização do preto na história da pintura tem um longo percurso, servem de exemplo os artistas Ad Reinhardt e o português Fernando Calhau, entre muitos outros... 
A relação que colocas entre o cinema e os meus trabalhos é curiosa. Nesta exposição a luz tem um caráter cénico preponderante. A luz projectada nas pinturas e a luz que delas advém acentua esse carácter cenográfico e eventualmente misterioso nos trabalhos. 

As pinturas que vais mostrar são espaços reais, mundanos, situações que poderíamos ver num passeio à noite pelas ruas de Lisboa. Edward Hopper partindo de situações muito prosaicas, conseguiu transformá-las pelo tempo da pintura em momentos quase irreais. Existe algo de mais metafísico que te esteja a interessar trabalhar na pintura ou no objecto? Também os minimalistas nos objectos que construíam com uma grande economia de meios, acabavam por transcender a materialidade dos objetos…
Sim, estas pinturas partem de fotografias de espaços reais. O envolvimento pessoal com o meu trabalho deve manifestar-se no próprio trabalho. Edward Hopper representava nas suas pinturas paisagens em que o silêncio e a melancolia eram verdadeiros protagonistas. No decorrer deste conjunto de trabalhos deparei-me várias vezes com a ideia de silêncio, da qual resultou a escolha da letra H como título da exposição.

O que poderemos esperar das tuas pinturas no futuro?
O mais importante é continuar a pintar.


Filipe Matos, 1987, vive e trabalha em Lisboa.
Licenciou-se em Artes Visuais - Multimédia (variante de Pintura) e concluiu o Mestrado em Ensino de Artes Visuais, ambas formações na Universidade de Évora.
O seu trabalho artístico desenvolve-se através de vários meios de expressão, privilegiando a Pintura e o Desenho.
Participou em diversas exposições individuais e colectivas, das quais se destacam as exposições individuais “Lugar |do espaço e da pintura|” no Sput&nik - the window (2013) e a exposição "Entre" na Galeria Arte Periférica (2012) e as exposições colectivas "Summer Calling ́10" na Galeria 3+1 Arte Contemporânea, "Festival Cantabile - A Arte da Música de Câmara - "Música de Câmara e Vídeo Arte" no auditorium do Goethe-Institut (2011), "Anual de Vídeo Arte Internacional de Lisboa 2011", FUSO, no claustro do Museu de História Natural e "Museu do Esquecimento II" na Galeria Palácio de Galveias (2009).
O seu trabalho foi premiado na edição de 2011 do prémio de pintura Abel Manta, com o 1o e 3o lugares. Participou também no projecto "Próxima Paragem Cultura" - Metro, Lisboa (2010).